Uma noite de início de primavera mais quente do que o comum. O casal
continuava abraçado na cama, embora com fome, embora com sede, embora estivesse
passando o final do filme que eles deixaram de assistir na metade. O primeiro,
dos olhos castanhos, beijou a bochecha avermelhada do outro; já o outro, dos
olhos negros, apenas suspirou agradavelmente. Passaram as mãos um no corpo nu
do outro, com sorrisos no rosto. O dos olhos castanhos falou, enquanto
acariciava a barriga do outro: “No mês que vem passarei duas semanas fora.
Espero que não esqueça de mim”. O dos olhos negros respondeu com um olhar
risonho e um beijo doce nos lábios. Os dois dormiram abraçados.
Na manhã seguinte, o de olhos negros acordara mais cedo e colocara o
café na mesa. Os dois comeram-no rapidamente e foram cada um para seus
respectivos empregos. No horário de almoço, em frente ao caixa para pagar a
conta, o dos olhos castanhos abriu a carteira e encontrou um bilhete dobrado.
Entregou o dinheiro ao atendente enquanto abriu o papel, com o seguinte poema:
Não sinto como se nós
Fossemos um só;
Sinto-nos como dois,
O que é muito melhor.
“O senhor ficou satisfeito”, perguntou o atendente. A resposta foi dada
com os olhos do castanho mais brilhante de todos.